Literatura e Amenidades

Esta é uma página dedicada à sua higiene mental. Nela serão inseridos textos poéticos - sonetos, poemas em geral, crônicas, textos em prosa e tudo o mais que possa fazer bem à alma. Como disse o poeta, "tudo vale a pena, se a alma não é pequena." Aliás, os poetas são artistas especiais que têm a propriedade de criar e nos transportar para um mundo diferente desse em que vivemos, incolor, amargo e  violento. Para fugir dele, e conceder um pouco de refrigério à nossa alma cansada, convém fingir um pouco; fingir que o mundo é maravilhoso, que não estamos exauridos, enfim, fazer de conta que a vida não é um fingimento. A respeito da arte de fingir, convém lembrar das sábias e poéticas palavras de Fernando Pessoa, quando, a respeito dos poetas proclama:
O poeta é um fingidor / finge tão completamente / que finge mesmo que é dor / a dor que deveras sente;
Procure entender, e veja se consegue. Provavelmente não, mas não importa. O que importa mesmo é fingir, vendo a vida como ela deveria ser, ou como poderia ter sido. Nada de verdades. As verdades incomodam, pertencem aos historiadores, que contam a vida como ela é. Nós, ou eles, os poetas não temos compromisso com a verdade, apenas com a fantasia que faz bem à alma, que não sente nem vê a maldade que nos ronda, e que especialmente em relação a você, que já está cansado de pensar em concurso, mostra um mundo onde não há vagas a serem preenchidas, e muito menos disputadas. Por isso, mergulhe um pouco nesse mundo sem compromisso e sem "questões," e depois sinta-se mais descansado. PARA COMEÇAR, APRECIE O TEXTO ABAIXO E VISITE SEMPRE ESSA PÁGINA

A MÁQUINA DE ESCREVER ( Giusepe Ghiaroni)

Mãe, se eu morrer de um repentino mal,
vende meus bens a bem dos meus credores:
a fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro Carnaval.

Vende esse rádio que ganhei de prêmio
por um concurso num jornal do povo,
e aquele terno novo, ou quase novo,
com poucas manchas de café boêmio.

Vende também meus óculos antigos
que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes
para enxergar os corações amigos.

Vende, além das gravatas, do chapéu,
meus sapatos rangentes. Sem ruído
é mais provável que eu alcance o Céu
e logre penetrar despercebido.

Vende meu dente de ouro. O Paraíso
requer apenas a expressão do olhar.
Já não precisarei do meu sorriso
para um outro sorriso me enganar.

Vende meus olhos a um brechó qualquer
que os guarde numa loja poeirenta,
reluzindo na sombra pardacenta,
refletindo um semblante de mulher.

Vende tudo, ao findar a minha sorte,
libertando minha alma pensativa
para ninguém chorar a minha morte
sem realmente desejar que eu viva.

Pode vender meu próprio leito e roupa
para pagar àqueles a quem devo.
Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa
esta caduca máquina em que escrevo.

Mas poupa a minha amiga de horas mortas,
de teclas bambas,tique-taque incerto.
De ano em ano, manda-a ao conserto
e unta de azeite as suas peças tortas.

Vende todas as grandes pequenezas
que eram meu humílimo tesouro,
mas não! ainda que ofereçam ouro,
não venda o meu filtro de tristezas!

Quanta vez esta máquina afugenta
meus fantasmas da dúvida e do mal,
ela que é minha rude ferramenta,
o meu doce instrumento musical.

Bate rangendo, numa espécie de asma,
mas cada vez que bate é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo
há de levar consigo o meu fantasma.

Pois será para ela uma tortura
sentir nas bambas teclas solitárias
um bando de dez unhas usurárias
a datilografar uma fatura.

Deixa-a morrer também quando eu morrer;
deixa-a calar numa quietude extrema,
à espera do meu último poema
que as palavras não dão para fazer.

Conserva-a, minha mãe, no velho lar,
conservando os meus íntimos instantes,
e, nas noites de lua, não te espantes
quando as teclas baterem devagar.



Aqui vai outro poema inspirado pela extrema sensibilidade do seu autor, falando sobre esse destino inexorável de todos nós, que é o envelhecimento como caminho preparatório para a viagem final que todos faremos um dia.  A arte de envelhecer não é fácil. Requer sabedoria, alguns truques às vezes, e muita paciência para suportar as deficiências físicas e psicológicas que costumam marcar essa fase. Não existe receita para enfrentar a velhice; mas, caso exista com certeza esse poema de Bastos Tigre ensina com grande sabedoria. Leia-o e medite.

E N V E L H E C E R

 

Entre pela velhice com cuidado 

Pé ante pé, sem provocar rumores

Que despertem lembranças do passado
Sonhos de glórias ou ilusões de amores

Do que houveres no pomar plantado
Apanha os frutos e recolhe as flores
Mas, lavra ainda e cuida do teu eirado
Outros virão colher quando te fores

Não faças da velhice enfermidade
Alimenta o espírito na saúde
Luta contra as tibiezas da vontade

Que a neve caia, que o andar não mude
Mantém-te jovem, não importa a idade
Tem cada idade a sua juventude

Bastos Tigre